Trabalhar de casa era um tabu até a crise do coronavírus, que mostra que é possível ser produtivo. Mas cuidado: a sensação geral é de excesso de trabalho
O trabalho remoto se tornou uma realidade que veio para ficar. Seja 100% remoto ou de uma forma híbrida, enxergo que muitas empresas viram o benefício e estão quebrando antigos paradigmas e implantando uma política de trabalho muito mais flexível. Até mesmo em mercados extremamente tradicionais que não tinham a cultura do home office, a pandemia acabou acelerando a transformação digital no modelo de trabalho dessas empresas.
Uma das razões que dificultavam o rompimento desse modelo de trabalho tradicional era o aspecto relacionado a produtividade dos funcionários que passariam a trabalhar fora dos muros e olhares da empresa.
Tabu antigo
Há muito tempo, produtividade no home office é um tabu que divide opiniões dentro do cenário organizacional. Eu tenho ouvido de muitas pessoas que estão nesse formato híbrido ou 100% remoto que, de uma forma geral, as pessoas conseguem ter mais foco, se sentem mais produtivas, mas também sentem que trabalham mais horas do que o habitual.
Falando por mim, estou gostando desse formato híbrido. A empresa na qual trabalho deixou livre para quem quiser ir ao escritório – desde que respeite todos os quesitos de segurança como o uso de máscaras; distanciamento entre cadeiras; medição da temperatura e observação da taxa máxima de ocupação de cada andar do escritório – e quem prefere trabalhar à distância também é permitido. Fato é que todos nós, sem exceção, estão se adaptando a essa nova rotina. Além disso, também percebo que em casa rendo mais do que no escritório fisicamente, justamente porque além de não ter o tempo do deslocamento, tenho menos distrações. Fica mais fácil de fazer o planejamento diário e cumprir com as metas previamente definidas.
Recentemente, a Talenses fez uma pesquisa sobre o tema produtividade no home office junto com a Fundação Dom Cabral e alguns dados me chamaram atenção. As pessoas que têm crianças em casa disseram ter uma produtividade de 68% versus quem não tem nenhuma criança uma produtividade de 73%. Produtividades consideradas altas independentemente do número de crianças.
Quando olhamos para o recorte por gênero, os homens afirmam ter uma produtividade levemente maior do que as mulheres, mesmo as que não têm crianças em casa, o que pode estar associado ao fato de muitas mulheres terem uma dupla jornada dedicando mais tempo à casa e à família do que os homens.
De uma forma geral, as pessoas com as quais eu converso que dizem ter uma alta produtividade, todas, sem exceção, possuem uma rotina mais planejada e disciplinada, independentemente do ramo de atuação ou da função exercida.
Acho que vale aqui sempre o alerta para cada um refletir sobre sua organização no dia a dia. Fato que se melhorarmos o nosso planejamento individual em paralelo a nossa casa, seremos mais produtivos e teremos mais satisfação em ver nossas tarefas cumpridas. Isso significa na prática, por exemplo, estabelecer horário de início e término do dia; cumprir o horário de almoço; possuir um ambiente de trabalho organizado e silencioso; não se distrair com outras tarefas durante o trabalho. Claro, isso não significa que não há espaço para certas flexibilidades, ajudar um filho com alguma dúvida durante o home schooling ou parar para dar comida ao cachorro, por exemplo, são coisas que se há uma rotina bem organizada, não devem atrapalhar a sua produtividade.
Estamos trabalhando mais
Mas e quando o problema é a sobrecarga de trabalho? A percepção que eu tenho baseada nas conversas diárias com meus candidatos e clientes e que se confirmou na pesquisa, é que realmente estamos trabalhando mais. Os dados da pesquisa mostram que na média os respondentes acham que suas atividades aumentaram em 51% (sendo que 0% seria a mesma carga de trabalho atual e 100% o dobro da carga de trabalho atual).
Entre os que afirmaram que a quantidade de trabalho aumentou, 75% disseram que isso aconteceu por conta do setor de atuação da empresa em que trabalham, 33% alegaram que o motivo foi a diminuição da estrutura, o que acarretou no acúmulo de funções na área, 28% afirmaram que isso aconteceu porque sentem que precisam trabalhar mais para mostrar a produtividade, uma vez que o gestor não está acompanhando as atividades de perto, e 23% disseram estar levando mais tempo que o normal para a realização das atividades em home office.
Alguns pontos sobre isso me chamam bastante atenção:
1. Relação de confiança entre líderes e liderados
Para que o trabalho remoto seja eficiente e produtivo é preciso haver uma relação de confiança entre líder e liderado. Como o gestor ou gestora não está fisicamente observando a rotina da sua equipe é importante que eles estabeleçam alguns acordos, afinal, o combinado não sai caro. Por exemplo, quais são os canais que eles vão utilizar para se comunicar? Whats app, canal de comunicação interno, e-mail? Outra ideia é compartilhar o calendário da equipe com o gestor para que ele saiba em quais momentos seu time estará ocupado fazendo reuniões e, assim, não acessá-lo nestes momentos. O trabalho dessa relação de confiança ajuda, inclusive, a manter a saúde mental das equipes.
2. Compartilhe sua rotina familiar e respectivos desafios com sua liderança
Dentro deste aspecto de relação de confiança entre líder e liderado, fale para seu gestor como você se organizou em casa. Por exemplo, se você precisa ajudar seus filhos a se conectarem no home schooling, negocie esse horário com seu gestor. Todos estão em um processo de adaptação a cada dia e é preciso ter empatia e acolhimento neste momento.
3. Se você é um líder, fique atento em relação à sobrecarga do seu time
Cada líder deve fazer uma análise se a carga de trabalho do seu time está bem distribuída e bem dimensionada e fazer um plano de curto, médio e longo prazo. Mesmo em cenários de empresas que as vagas possam estar congeladas, existe a possibilidade de trazer profissionais de projetos de forma temporária para minimizar os impactos nas equipes. Do meu lado, como entrevistadora, é comum os profissionais se abrirem ao mercado caso se sintam muito sobrecarregados e sem uma perspectiva de melhora no médio prazo mesmo no nosso cenário atual.
4. Tenha um ambiente de trabalho propício dentro de casa
Um dos principais fatores que influenciam nossa produtividade dentro de casa é o nosso ambiente de trabalho. Tenha um local de preferência reservado, silencioso, com boa iluminação. Muitas empresas investiram em ergonomia para seus funcionários dentro de casa. Faça acordos com as pessoas que você faz reuniões por vídeo. Se você tem filhos e/ou cachorros, avise no início da reunião que pode haver intromissões inesperadas.
Estamos vivendo uma crise essencialmente humana, e não econômica e política como víamos no passado. No momento atual, os profissionais de RH estão fazendo verdadeiros MBAs na prática, guiando líderes e organizações para frente. O olhar para pessoas é de extrema importância para o bom andamento dos negócios e a continuidade das empresas e, por isso, acho válida essa reflexão.
Sua empresa pretende voltar ou ficará em um modelo híbrido ou 100% remoto? O que está sendo feito em prol das pessoas? Como garantir que as pessoas se mantenham bem apesar de todos os pesares dos últimos meses?
Como recrutadora, minha dica de hoje é: tenha jogo de cintura e adapte-se a qualquer um desses modelos que virão. Aprender a aprender e comunicação são com certeza, as principais habilidades do hoje e do amanhã.
Fonte: https://vocesa.abril.com.br/blog/isis-borge/produtividade-no-home-office-estamos-trabalhando-mais/