Quando se trata de assédio, falar em um programa de prevenção significa começar da base
A conduta incômoda que conhecemos como assédio já se fez presente, pelo menos uma vez, na vida da maioria das pessoas, especialmente mulheres. Quem não conhece ao menos uma mulher que já passou por uma situação desagradável envolvendo um comportamento assediador?
Infelizmente, o panorama não muda muito quando levamos o tema para o contexto profissional. Levantamentos recentes apontam que, no ano de 2020, 11,8% das denúncias de irregularidades no ambiente de trabalho foram sobre assédios moral e sexual e aproximadamente metade dos denunciantes são mulheres. Sabendo que esse cenário não é novidade, e, ainda assim, continua velado na maioria das organizações, como pensar em medidas de prevenção?
Quando se trata de assédio, falar em um programa de prevenção significa começar da base. Muitos dos ambientes em que o assédio acontece já contam com uma cartilha interna sobre atos pontuais que os colaboradores devem evitar, mas adotar medidas para transformar mentalidades e condutas desrespeitosas significa ter que ir além.
Pensando na esfera sexual, um assediador se comporta de forma agressiva porque suas próprias crenças foram moldadas por uma masculinidade tóxica com a qual a vida inteira teve contato – tomando-se por base um sujeito do sexo masculino, como ocorre na maioria esmagadora dos casos. Para mudar o modo de pensar de uma pessoa assim, não basta meramente pedir que ela assine o documento interno formal sobre o tema. As empresas não dão um único treinamento e-learning e acham que aquele indivíduo que se portou em seus anos de empresa de maneira inconveniente passe, no dia seguinte, a ser um exemplo de boas maneiras e de respeito no relacionamento interpessoal.
O programa de prevenção tem que se respaldar em documentos formais, sim, pois é preciso haver parâmetros para que indivíduos saibam o que é esperado dentro da organização e como serão penalizados se descumprirem as regras. Entretanto, é a maneira de pensar que precisa ser trabalhada antes de qualquer coisa. As medidas de transformação devem se iniciar por uma cultura de prevenção, portanto. Mas, como se muda uma cultura?
Esforços de todos os lados precisam se reunir para que a linguagem e o posicionamento da instituição reflitam o peso que ela dá a alguns valores inegociáveis. Neste cenário, a quebra de paradigmas ultrapassados e a curva de transformação cultural inicia-se com exemplos de quem tem o poder decisório e precisa se propagar através de simultâneos elementos da governança corporativa.
A partir de um engajamento real, manifesto, contínuo e robusto dos dirigentes como pontapé, os departamentos de compliance, comunicação interna, jurídico, gestão de pessoas, marketing, gestão de riscos, controles internos, relações com investidores e todos os seus respectivos executivos podem começar a dar um só tom e contorno à fala de respeito. Operacionalizar isso dependerá de ferramentas implementadas e monitoradas em cada uma dessas frentes, com um unido e potente intuito: transmitir a mensagem de que não há lugar, naquele ambiente e naquelas relações, para qualquer violência em forma de assédio.
Nessa linha, iniciativas estruturadas dentro de um bom plano de comunicação alinhado ao compliance podem ser extremamente eficazes em três sentidos. O primeiro se refere à percepção do público de que o tema é tratado com efetiva seriedade pela organização, por ver que ela o prioriza nos debates e ações divulgadas e emprega recursos para isso. O segundo trata da repetição do discurso, que leva à assimilação e naturalização do comportamento esperado. Quanto mais a empresa reforçar a relevância que dá ao tema, maior a interiorização de cada profissional, e, por consequência, os reflexos disso no trato dele no dia a dia. Por fim, o terceiro ponto está relacionado à existência de um balanço de consequências claro e formal, dando o reforço da mensagem que a organização quer passar: “não toleramos atitudes assediadoras e puniremos quem se comportar assim”.
Essas três frentes, reunidas, agem como mola propulsora para o abandono de uma cultura desfavorável, e, muitas vezes, tóxica, que deve ser transformada para algo positivo e perene na instituição. É uma caminhada, aparentemente vagarosa, mas que pode ser muito bem-sucedida a partir do momento em que a pauta do respeito e da intolerância ao assédio já tenha alcançado a consciência individual e o senso de coletivo dos profissionais, quando cada um estará policiando as suas próprias atitudes, observando as de colegas, fazendo coro aos valores corporativos de valorização às pessoas e reportando indícios de violação aos limites impostos para um ambiente de trabalho saudável.
O modo de operacionalizar essas iniciativas deve partir de um brainstorming criativo por meio do qual saiam insights para uma customização de medidas. Isto significa que não funcionaria apresentar uma receita de sucesso como algo imutável, pois o que vai funcionar em cada empresa depende do seu porte, setor, composição, atividade econômica, a cultura do local onde está inserida, dentre outros fatores. Mas há alguns elementos indispensáveis e algumas pistas do que pode funcionar – e muito bem.
A começar pela implantação de um canal de denúncias isento e externo a fim de centralizar o recebimento dos relatos e garantir a privacidade dos denunciantes; a empresa só tem como tratar, afinal, os incidentes que vierem ao seu conhecimento. Enquanto propicia essa plataforma de apoio aos seus funcionários, solidificando a garantia de que serão ouvidos, é preciso promover a política de consequências para casos identificados de agressões sexuais e morais e aplicá-la, independentemente de pessoas ou cargos envolvidos. Também deve-se estruturar um departamento responsável por conduzir a apuração dos casos, com isenção, assertividade e agilidade necessárias, conforme diretrizes internas estabelecidas.
Sempre que possível, a organização deve mencionar em documentos institucionais a existência de toda essa estrutura montada para acolher com seriedade as ocorrências. Ao mesmo tempo, estimular a adoção de um programa amplo de comunicação interna, que pode espalhar a mensagem das maneiras mais criativas e versáteis possíveis. Aqui cabem transmissão de vídeos educativos, circulação de mensagens institucionais, divulgação de carta do presidente patrocinando pessoalmente o tema, treinamentos, games, fóruns de debates, campanhas e iniciativas ligadas a datas simbólicas, dinâmicas interativas, entre outras. Quaisquer ações de conscientização e disseminação são válidas com o objetivo de manter viva e prioritária a questão da necessidade de respeito entre os profissionais.
Nessa linha, as áreas de negócios, suportadas pela comunicação e endomarketing, e com o apoio aberto e firme da alta administração, se propõem a uma só voz, forte e coesa. Essa voz, numa linguagem simples e direta conectada à identidade organizacional, vai repercutir impedindo a continuidade de atos indesejados e enraizando novas mentalidades para uma cultura sadia de respeito, transparência, bem-estar e prosperidade dos negócios e das relações.
Livia Cuiabano Pinheiro é consultora de Compliance, ESG & Sustentabilidade da ICTS Protiviti.
Fonte: https://www.mundorh.com.br/como-prevenir-assedios-morais-e-sexuais-no-ambiente-de-trabalho/